Com a palavra FHC


Edição Especial da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável – Rio+10

Apresentação por Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República


Esta edição do “Estado do Mundo 2002” chega em momento significativo para nós, brasileiros. Em 2002, celebramos os dez anos da histórica Conferência do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o que será marcado por nova reunião de líderes mundiais, desta feita em Joanesburgo. Celebraremos também, em nosso país, a democracia, com a realização de eleições gerais. Coloco esses dois eventos lado a lado porque os temas tratados neste livro não dizem respeito apenas aos especialistas e sim ao debate e à participação da cidadania. São preocupações de toda a sociedade e de todos aqueles que desejam devotar-se às questões que afetam o bem-estar da população, no cotidiano e a longo prazo.

Os ensaios incluídos neste livro abordam os problemas associados ao uso predatório dos bens naturais e do meio ambiente, problemas que se vêm acumulando ao longo do tempo e que assumem importância crescente. Examinam, igualmente, questões relacionadas aos padrões de produção e consumo induzidos por um paradigma de desenvolvimento que sempre viu o meio natural como recurso inesgotável.

Impõe-se, nesse contexto, a tarefa de administrar esses desafios em uma era onde a interdependência dos Estados é uma realidade e os assuntos públicos são objeto da ação de múltiplos atores sociais. A abordagem dessa temática pelos autores não se reduz a um diagnóstico, mas abrange também o arcabouço conceitual e político necessário para identificar os problemas e para tomar medidas concretas para resolvê-los. Trata-se, portanto, de uma contribuição particularmente importante ao debate público, na medida em que nos ajuda a amadurecer uma visão de mundo que já não pode ser construída apenas segundo as percepções das sociedades nacionais, tomadas individualmente.

Essas premissas são o fundamento para a discussão do desenvolvimento sustentável, conceito articulado em suas múltiplas dimensões nos documentos aprovados por unanimidade pela comunidade internacional na Conferência do Rio. O desenvolvimento sustentável requer uma reflexão sobre os valores de cada sociedade e sobre as condições para que se produza uma mudança cultural, indispensável para que possamos legar às futuras gerações um mundo que lhes permita satisfazer com razoável autonomia suas necessidades.

A possibilidade das gerações futuras lidarem com os desafios que lhes serão postos está sendo condicionada por nossas próprias ações. Por outro lado, essas gerações deverão também preocupar-se com aquelas que lhes sucederão. Nessa sucessão da ordem natural da vida e do mundo, as necessidades e percepções se alteram. Contudo, é hoje certo que, apesar de nossa dificuldade em prever o futuro, se não estivermos imbuídos da idéia de uma solidariedade entre as gerações, o mundo que legaremos a nossos filhos e netos comportará mais interrogações do que possibilidades.

Para que isso não ocorra, exige-se uma mudança radical em nossa atitude, uma nova mentalidade que nos permita construir uma sociedade mais fraterna nos planos interno e internacional. A solidariedade é um elemento essencial para o desenvolvimento sustentável e para uma globalização que seja intrinsecamente integradora. A genuína solidariedade não se coaduna com a pobreza, que é em si insustentável. A sustentabilidade não terá raízes enquanto aqueles que gastam os recursos naturais ou utilizam os serviços ambientais em excesso não alterarem seus padrões de produção e consumo.

É preciso mudar usando de maneira inteligente os mecanismos de que dispõem as sociedades. Cumpre promover, por meio de uma adequada e moderna regulamentação das forças de mercado, uma produção competitiva de bens e serviços mais compatível com a capacidade de absorção dos ecossistemas. É preciso avaliar melhor e internalizar o valor dos recursos naturais e ambientais nos sistemas de preços. Mais do que adotar medidas econômicas ou estratégias de marketing, trata-se de dar um salto cultural tão importante como aquele que levou ao reconhecimento dos direitos sociais a partir das mobilizações populares no século XIX.

A transformação social é um processo político. Os temas abordados pela renomada equipe de pesquisadores do WWI-Worldwatch Institute no “Estado do Mundo 2002”, são aqueles que estarão presentes na agenda de discussões de Joanesburgo e que também fazem parte das preocupações da sociedade brasileira. A superposição de consciência ambiental e processos democráticos torna evidente que o estado do mundo não se restringe ao mundo do Estado, mas permeia toda a esfera pública compreendida como o entrelaçamento de diferentes estruturas sociais. A atuação dessas estruturas em rede, com o avanço da comunicação e do conhecimento, em um mundo cada vez mais plural, realça o profundo sentido ético do desenvolvimento sustentável. É a consciência desse sentido que traz ao primeiro plano do debate temas como o das responsabilidades diferenciadas para o alcance de objetivos comuns, ou como o da governança, que hoje abarca tanto as relações entre o público e o privado quanto as diferentes formas que essas esferas adquirem em diferentes culturas ou entre distintos grupos sociais numa mesma cultura.

Essas considerações me levam a sublinhar a relevância da publicação da edição brasileira do “Estado do Mundo”. Independentemente da avaliação que fizermos sobre as posições específicas adotadas pelos autores, o enriquecimento que elas trazem ao debate público sobre o desenvolvimento sustentável é, por si só, um evento auspicioso. É uma contribuição de relevo para que se fortaleça a consciência da necessidade de avançar na construção de um mundo melhor.


O papel de ciência e tecnologia

Reflexão dos Autores